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Para reduzir as emissões de CO2, Europa quer cortar transporte rodoviário pela metade


Chocados pelos sérios transtornos provocados pela recente greve dos caminhoneiros - complementada por um locaute de empresas transportadoras - muitos brasileiros desandaram a criticar, talvez um tanto tardiamente, a predominância, no país, do transporte rodoviário em detrimento das ferrovias e outros modais. Tal opção teria transformado a todos, industriais, produtores rurais, comerciantes e trabalhadores, via-se agora, em potenciais reféns desta modalidade. De fato, segundo dados da Confederação Nacional do Transporte (CNT), o principal meio de transporte usado no Brasil é o rodoviário, que, embora tenha visto a sua participação diminuir um pouco nos últimos anos, ainda concentra 61,1% da movimentação de cargas no país, seguido pelo ferroviário (20,7%), aquaviário (13,6%), dutoviário (4,2%) e aeroviário (0,4%). O transporte por caminhões também concentra o grosso das receitas da área, cujo total corresponde a 12% do PIB brasileiro. Os críticos também apontaram o possível modelo europeu como um exemplo que deveria ser seguido pelo Brasil - lá, em tese, a maior parte dos passageiros e mercadorias seria transportada por ferrovias e hidrovias. No entanto, esses críticos não estavam bem informados. Pelo menos no que diz respeito ao transporte de cargas, também na Europa o predomínio das rodovias é absoluto. QUEDA MARGINAL - Sim, pode parecer incrível, mas é a pura realidade: hoje, para cada tonelada de carga transportada por trem, três são levadas por caminhões pela Europa. E já foi percebida pelas autoridades logísticas europeias uma tendência de queda na participação das ferrovias. Além de não ter sido verificado um aumento de participação dos trens no total de carga transportada entre 2000 e 2016, entre 2011 e 2016 a taxa de transporte ferroviário chegou mesmo a cair, ainda que marginalmente. Na verdade, o que o Brasil deveria fazer para retirar das rodovias o absurdo predomínio no transporte de cargas - que, não custa observar, também é uma modalidade bem mais cara que a ferroviária e a hidroviária - era traçar políticas para que isto acontecesse no médio e longo prazo, como está sucedendo na Europa. Ali, na esperança de barrar o fluxo de caminhões pelas estradas - tanto para cortar as emissões de CO2 como para reduzir o poder de operadores privados e dos caminhoneiros, que de vez em quando também promovem por ali greves bastante pesadas - a União Europeia adotou um plano para cortar em 50% o uso das estradas do continente para o transporte de mercadorias até 2050. Não é só um plano de intenções: para isso, já investiu em apenas cinco anos mais de R$ 100 bilhões. Já em 1992 a UE estabelecia como princípio que iria trabalhar ao longo dos anos para reverter a predominância da rodovia como principal meio de transporte de cargas na Europa. Mas só em 2001 ela conseguiu convencer os governos dos países do continente a não permitir o aumento do transporte de cargas pelas rodovias, em comparação às ferrovias, uma medida que foi considerada como um grande passo. Finalmente, em 2011, estabeleceu-se a estratégia de transladar 30% do que passava pelas rodovias para os trens até 2030, volume que terá de crescer para 50% em 2050. Para chegar a esse objetivo, foi estabelecido que a União Europeia, apenas ela, deverá destinar 28 bilhões de euros em investimentos. Os países, isoladamente, terão também de ajudar nessa conta. No entanto, fácil, este processo de fortalecimento das ferrovias não será. Há dificuldades regulatórias um pouco por toda parte - não há uma regulamentação única entre os 28 países do bloco - e obstáculos burocráticos e, por assim dizer, alfandegários, isto é, demoras para passar de um país a outro, estariam entre os principais motivos da lentidão em mudar o modelo de transporte do bloco. E há razões de ordem logística também, como a desagradável realidade do custo ainda elevado de certos trechos ferroviários e a lentidão generalizada no transporte feito pelos trens. A média de velocidade de um trem de carga é de apenas 18 quilômetros por hora em certos trechos. Esses problemas de ordem prática também têm colocado sérios obstáculos para a implantação da estratégia. Um documento da Corte de Auditoria da Europa, uma espécie de Tribunal de Contas de lá, foi direto ao ponto: "O desempenho do transporte ferroviário na UE continua insatisfatório", destacou, sem muita comiseração. A participação dos trens, de 17,8%, para os auditores, não deverá crescer na velocidade desejável e poderá tornar difícil se alcançar a meta da UE de transladar 30% do transporte de cargas por rodovias para os trens até 2030 - e fazer das metas de 2050 uma quimera. MALHA - Atualmente, a Europa conta com 216 mil quilômetros de linhas ferroviárias (o Brasil, cujo tamanho é equivalente, tem uma malha que não chega a 30 mil quilômetros). É uma rede, sem dúvida, bem fornida, mas diante da burocracia e dos gargalos operacionais, principalmente os exportadores europeus ainda acham no transporte rodoviário uma opção mais econômica e vantajosa. De qualquer forma, se a média geral ainda é considerada baixa, há notórias diferenças na participação dos trens no transporte de cargas entre os países da Europa. Na Áustria, mais de 42% da carga é feita por ferrovia, enquanto a fatia chega a 60% na Letônia, que é um país minúsculo. Na Suécia, ela chega a 38%, contra 23% na Alemanha, o país das autoestradas por excelência. No lado oposto estão países como a Irlanda (1,1%), Grécia (1,2%), Espanha (4,6%) e Portugal (6%). Embora nominalmente fora da União Europeia, a Suíça é considerada como um modelo. O montanhoso país dos Alpes conta com o trem para 48% de seu transporte de carga - inclusive o correio. Essa alta proporção, que só seria superada em toda a Europa em 2050, foi gerada por fatores como as pesadas taxas rodoviárias (e sobre a venda dos próprios caminhões), a impossibilidade do trânsito de veículos pesados nos fins de semana, subsídios para trens e limites para o peso de carga por caminhão dentro de áreas mais íngremes dos Alpes. Ao mesmo tempo, 5 mil quilômetros de trilhos, com 671 túneis e 6 mil pontes permitem a circulação de 140 trens diários por linha. De fato, uma estrutura invejável, difícil de reproduzir em países de tamanho maior ou mais pobres. No Brasil, tal capilarização seria simplesmente inalcançável, dado os modestos investimentos que a ferrovia vem recebendo. Segundo o governo federal, nos próximos cinco anos as ferrovias brasileiras devem movimentar cerca de R$ 57,1 bilhões em investimentos. Os projetos incluem construção, ampliação e modernização da malha ferroviária brasileira e beneficiarão especialmente o transporte de minério e de grãos. Cinco projetos fazem parte do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e podem gerar em torno de 66 mil empregos diretos e indiretos. Eles serão implantados na Malha Paulista, na rede da MRS Logística, e nas ferrovias Carajás, Vitória-Minas e Centro-Atlântica. Pouco, mas melhor do que nada. (Alberto Mawakdiye)


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